22.5.07

Usos e costumes



Introdução


Falarmos de Costumes e Ética Bíblica não é matéria pacífica entre os cristãos evangélicos. E uma das razões prende-se com uma certa dificuldade em distinguir ética bíblica e costumes.
Quando resolvi, desenvolver este tema, pedi a Deus que me desse graça e coragem, porque ao mesmo tempo que é importante é também polémico. E digo que é preciso coragem porque entra em confrontação directa com a forma de pensar de irmãos em Cristo, muitos deles meus amigos e que de maneira nenhuma os quero magoar. Pretendo sim, apresentar o que a Bíblia nos ensina, pois a verdade revelada na palavra de Deus é imutável e permanece para sempre.

1) Entendendo a Ética Bíblica

a) Noção de Ética
Ética de uma forma abrangente surge como a teoria da natureza do bem e como ele pode ser alcançado.[1]
A Ética em si mesma, preocupa-se com assuntos morais e defende o bem estar geral do ser humano. No entanto para atingir os seus objectivos divide-se em três sectores principais que chamamos de ética relativa, ética absoluta e ética dos valores e destes decorrem outras formas de ética[2].
O princípio da ética relativa afirma que a experiência humana com frequência mostra que as normas éticas alteram-se com a passagem do tempo, de tal maneira que o que é bom hoje, pode não ser bom amanhã. Por outro lado a ética absoluta afirma exactamente o contrário que a ética se deve reger por princípios absolutos, imutáveis e moralmente padronizados. E existe ainda a chamada ética de valores que procura encontrar o meio-termo entre as duas atrás referidas e defende essencialmente que a consciência humana sabe instintivamente (ou racionalmente) os verdadeiros valores, por exemplo: “a lei do amor é uma constante. Todas as religiões e filosofias honram este princípio[3].

b) Noção de Ética Bíblica
A ética Bíblica é uma forma de ética absoluta e define-se da seguinte forma: Vida correcta, fazer o que é bom e afastar-se do mal, de acordo com a vontade de Deus. O termo refere-se não a teorias humanas ou opiniões sobre o que é certo e errado, mas à verdade revelada de Deus sobre tais questões. A revelação de Deus em sua Palavra escrita narra a história da queda ética dos homens, da graça redentora de Deus e da restauração ética de seu povo [4]
A ética Bíblica dirige-se ao povo de Deus, aqueles que aceitam a Bíblia como regra de fé e conduta. Entenda-se por povo de Deus aqueles que crêem em Deus e tomaram a decisão de o seguir. Quando Deus deu os dez mandamentos através de Moisés, já existia um relacionamento entre aquele povo e o próprio Deus, por isso os mandamentos de Deus são sempre dados àqueles que já são seus pela graça.[5]
A ética Bíblica tem a preocupação de chamar o povo de Deus à santidade, porque este é o Seu povo: “vós sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11:45). Também no Novo Testamento encontramos o mesmo princípio em Mateus 5:48: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus”.[6]
Jesus Cristo apresenta-se como o modelo a ser seguido. Os ensinos éticos de Jesus resumem o verdadeiro sentido da lei do Antigo Testamento, quem segue os seus ensinos cumpre a lei. Portanto, há uma relação directa entre o conceito de justiça revelado no Antigo Testamento e o revelado mais tarde no Novo.[7]
É nas Escrituras Sagradas, portanto, que encontramos o padrão moral revelado por Deus. Os Dez Mandamentos e o Sermão do Monte proferido por Jesus são os exemplos mais conhecidos. Entretanto, mais do que simplesmente um livro de regras morais, as Escrituras são para os cristãos a revelação do que Deus fez para que o homem pudesse vir a conhecê-lo, amá-lo e alegremente obedecê-lo. A mensagem das Escrituras é fundamentalmente de reconciliação com Deus mediante Jesus Cristo.[8]

2) Entendendo os costumes

a) Noção de costumes
A palavra costume provém do latim e significa «acostumar-se com», ou seja, algo com que fica acostumado.[9]
Os costumes em si são sociais, humanos, regionais e temporais, porque ocorrem na esfera humana, sendo inúmeros deles gerados e influenciados pelas etnias, etariedade, tradições, crendices, individualismo, humanismo, estrangeirismo e ignorância[10]
Desta forma podemos entender que os costumes são transitórios e passíveis de mudança.

b) Diversidade de costumes
Cada país possui costumes próprios de sua gente. Em Marrocos, um homem andar de mão dada com uma mulher é motivo de escândalo. Contudo dois homens abraçarem-se, é uma coisa natural. No Haiti todos usam chapéu. No Brasil amamentar uma criança em público é comum, nos Estados Unidos é um acto inadmissível. Em alguns países é normal os homens beijarem-se para se cumprimentar, noutros isso não acontece.[11] Os Escoceses tradicionalmente usam saia xadrez com o tartan do seu clã, os Paquistaneses usam umas calças com uma túnica por cima e para eles é indecente uma mulher usar saia.[12]
É de facto razão para afirmarmos que cada povo tem os seus costumes, e que essa diversidade não nos deve dividir, a não ser que vá contra a Ética Bíblica.

c) Evolução dos costumes
Um dos costumes que identifica os povos no mundo é o vestuário, que tem sofrido muita evolução desde o início da humanidade. Vamos ver como tudo começou, descrevendo a evolução básica do vestuário Israelita.[13]
1. Deus fez vestimentas para Adão e Eva. “Fez o Senhor Deus vestimenta de peles para Adão e sua mulher, e os vestiu”(Gn 3:21). Esta vestimenta (em hebraico, kethon) era uma camisa simples feita de pele de animal. [14]
2. Mais tarde, os hebreus começaram a fazer camisas de linho ou de seda (para pessoas importantes), assim, lemos que José usava “uma túnica talar de mangas compridas” (Gn 37:3)[15]
3. Depois outra forma de vestido chamada simlah entrou em moda. Sem e Jafé tomaram esta vestimenta para cobrir a nudez de seu pai (Gn 9:23). Os pobres a usavam como vestido básico de dia e como capa de noite (Ex 22:26-27). Para ocasiões especiais, os israelitas usavam o beged. Isaque e Rebeca vestiram seu filho Jacó com esta roupa, que eles consideravam a melhor (Gn 27:15).[16]
4. Apareceu depois um artigo que era de uso geral chamado lebhosh que era tanto para ricos como para pobres. Assim diz a Bíblia que Mordacai usava um lebhosh de pano de saco (Ester 4:2).[17]
5. Finalmente, a addereth eu era usada para indicar que o usuário era uma pessoa de importância (Josué 7:21). Esta vestimenta era também um tipo de capa ou abrigo exterior. Tal capa ainda e usada hoje por muitos na Palestina, sem levar em conta sua posição social.[18]
Estes exemplos, são a prova de que a forma de vestir, muda à medida da evolução das sociedades, verificamos que vestir, primeiramente foi um mandamento, mas depois as formas de vestir, foram influenciadas por vários aspectos, como o clima, a ocasião, a posição social e sobretudo tornou-se também uma questão de gosto pessoal.

3) Destrinça entre Costumes e Ética Bíblica

O Pastor Ricardo Gondim, conta que ficou um pouco espantado quando foi às Filipinas e viu um Pastor, vestido com saias. Porém isso não indicou que existisse qual tipo de desvio moral. Com este exemplo ele chegou à conclusão que era preconceituoso em relação a outros costumes.[19]
A Ética Bíblica é de carácter permanente, ou seja é baseada em verdades e princípios imutáveis reveladas por Deus aos homens. O apóstolo Paulo afirmou: “Mas ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema”. (Gálatas 1:8).
Os costumes aparecem como hábitos transitórios e passíveis de mudança. A própria Bíblia apresenta-nos alguns exemplos disso que quase passam desapercebidos.
Por exemplo no tempo da história de Judá (Gênesis 38:14-15) certa mulher disfarçou-se cobrindo-se com o véu e desta forma foi identificada como prostituta, mas na epístola de Coríntios, cap.11:6, nos tempos de Paulo, o véu era sinal de santidade para os Coríntios.
Desta forma podemos afirmar que os preceitos de homens não tem vínculo moral em si mesmos, ou seja ninguém tem o direito de dogmatizar costumes, querendo que eles se tornem universais, quer seja pensando pertencer a uma cultura superior, quer aplicando costumes dos tempos Bíblicos.

4) Relação entre Ética Bíblica e costumes

a) Contextualização dos costumes e ética Bíblica
Será interessante analisarmos um versículo do Antigo Testamento, e desta forma fazermos um exercício que será separar os conteúdos pertencentes ao domínio da Ética Bíblica e dos costumes.
"Não haverá traje de homem na mulher, e não vestirá o homem vestido de mulher, porque qualquer que faz isto é abominação ao Senhor teu Deus". (Deuteronômio 22:5)
Neste tempo o costume era diferente de hoje, naquela altura ambos os sexos usavam vestidos, e assim sendo teremos que contextualizar o costume para a nossa época. Mas o mesmo versículo deixa um conteúdo ético importante e universal, que é o da diferenciação no vestir do homem da mulher.
No Antigo Testamento existem muitas referências a costumes específicos do povo de Israel, que por serem específicos não foram seguidos por outros povos, por exemplo em Deuteronomio 22:12:
"Porás franjas nos quatro cantos da tua manta, com que te cobrires".
Importa ressaltar que no Antigo Testamento Deus orientou os costumes especificamente para Israel, nunca foi propósito de Deus universalizar a lei civil e a lei cerimonial, que encaixam dentro dos costumes de um povo. No entanto a lei moral já é universal porque se baseia em princípios que todas as culturas devem aplicar.
É neste ponto que nascem os ensinamentos distorcidos, mas isso não acontece só nos dias de hoje. O Apóstolo Paulo escreveu a carta aos Colossenses, poucos anos após a introdução do Cristianismo porque o povo de Colossos tinha um desejo por algo mais do que o Cristo crucificado e ressurrecto.[20] Pretendia ser uma “filosofia” (Cl. 2:8), um termo que frequentemente, na era helenista, referia-se não a uma investigação racional, mas a especulações ocultas e práticas baseadas num conjunto de tradições.[21]
O ensinamento parece ter sido principalmente judaico, como é evidenciado pelo valor atribuído às ordenanças legais, às regras de alimentação, à observância do sábado e da lua nova e outras prescrições do calendário judaico (Cl. 2:16).[22]
"Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais tem, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne". Colossenses 2: 20-23
b) Enquadrando limites dos costumes na ética Bíblica
Os costumes devem sempre respeitar a ética Bíblica e isso muitas vezes não acontece em determinadas situações e lugares do planeta terra.
Os costumes podem ser totalmente perversos, acompanhando a natureza pecaminosa do homem. Os esquimós, que têm o costume de entregar a própria esposa a algum visitante que passe, para que a tenha como mulher, durante a noite, dificilmente poderão afirmar que isto é um costume correcto e universal[23]
Na questão do vestuário levanta-se também a questão do pudor. Pudor significa: Sentimento de vergonha, de mal-estar, gerado pelo que pode ferir a decência, a honestidade ou a modéstia.[24]
A Bíblia ensina em I a Timóteo 2:9, que deve haver pudor e modéstia na forma de trajar das mulheres, embora as mulheres sejam mais salientadas aqui, este é um principio bíblico que deve ser aplicado a ambas as partes.
Quando Paulo aborda esta questão, ele está preocupado com a atitude que leva as mulheres a ter tais procedimentos. Relativamente à atitude ela deve-se pautar pela descrição, ou seja não usar roupa extravagante de modo que sobressaia aos outros.
Dentro deste ponto a Bíblia fala-nos de um sentimento que é condenável aos olhos de Deus que é a lascívia.
Ora, as obras da carne são conhecidas e são: ... Lascívia... (Gl 5:19)Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: ...Paixão lasciva... (Cl 3:5)
A lasciva é um pecado que geralmente passa meio que desapercebido no meio da igreja, porém é listado como um dos frutos da carne em Gálatas, e, na Epistola aos Colocensses é descrito como, comum à natureza humana.[25]
A palavra lascívia significa sensualidade; lúbrica; desregrado (Devasso, libertino); (Relativo ao prazer sexual, ou que o sugere; voluptuoso, Que procura constantemente e sem pudor satisfações sexuais); Luxúria.[26]
É a moda (que muitas vezes) obriga as mulheres a usarem saias curtíssimas; calças justíssimas; fazerem uso de vestidos curtos e decotes que expõe os seios e costas. É a sensualidade que se manifesta com grande intensidade.[27]
A forma com que nos vestimos não deve apelar à exibição nem à sensualidade, as modas que escolhemos devem ser decentes. Por outro lado também não deve ser motivo de desmazelo ao ponto de envergonhar o evangelho.

5) Conclusão

A conclusão que chego é que a ética Bíblica é de carácter permanente, ou seja é baseada em verdades e princípios imutáveis reveladas por Deus aos homens e que de forma alguma os homens podem acrescentar, tirar ou distorcer a revelação divina.
Quanto aos costumes são passageiros, transitórios e passíveis de mudanças. Na verdade os costumes devem-se submeter aos padrões bíblicos, para não serem pervertidos.
Infelizmente a proibição de determinado vestuário, tem sido um ensino errado, porque assim como as vestidos no tempo de Jesus eram comuns aos dois sexos, obviamente com diferenças salientes, assim também as calças são vestuário comum ao homem e à mulher nos nossos dias, obviamente com algumas diferenças porque Deus também nos deu corpos diferentes.
A modéstia e o pudor são princípios fundamentais a aplicar e é nos princípios que nos devemos centrar.
Neste trabalho aprendi também que devemos respeitar uns aos outros, mas cuidado, as leis denominacionais feitas por homens em si mesmas pouco aproveitamento tem, e não servem para conduzir ninguém ao céu. Não é o aceitar uma norma da igreja que liberta do pecado, o cristão realmente nascido de novo tem a Palavra de Deus para orientá-lo e tem o Espírito Santo para dirigir a sua vida.
Somente a Bíblia pode levar o homem ao propósito de Deus que é a santificação, conforme diz em João 17:17:
“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.”

6) Bibliografia

· CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995
YOUNGHBLOOD, Ronald F., Dicionário Ilustrado da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1ª edição 2004
LINHARES, JORGE, Usos e costumes, Editora Getsemani, 2001
GOMES Elizabeth, Ética nas pequenas coisas, Editora vida, 1997
TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982
GONDIM Ricardo, É Proibido, Editora mundo Cristão, São Paulo, 1999
Bíblia de estudo de Genebra, Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1998
http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi
http://www.vivos.com.br/207.htm
http://www.ipb.org.br/estudos_biblicos/index.php3?id=9
http://www.cgadb.com.br/posicao_3.htm
[1]CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995, pag.554
[2]CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995, pag.554
[3]CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995, pag.555
[4] YOUNGHBLOOD, Ronald F., Dicionário Ilustrado da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1ª edição 2004, pag. 518
[5] YOUNGHBLOOD, Ronald F., Dicionário Ilustrado da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1ª edição 2004, pag. 518
[6] YOUNGHBLOOD, Ronald F., Dicionário Ilustrado da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1ª edição 2004, pag. 519
[7] YOUNGHBLOOD, Ronald F., Dicionário Ilustrado da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1ª edição 2004, pag. 519
[8] http://www.ipb.org.br/estudos_biblicos/index.php3?id=9, 20/04/06
[9] CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995, pag.944
[10] http://www.cgadb.com.br/posicao_3.htm,20/04/06
[11] LINHARES, JORGE, Usos e costumes, Editora Getsemani, 2001, pag.50
[12] GOMES Elizabeth, Ética nas pequenas coisas, Editora vida, 1997, pag. 234
[13] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 115
[14] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 115
[15] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 115
[16] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 115
[17] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 115
[18] TENNEY. Merril C., et.al. Vida Cotidiana nos tempos Bíblicos, Editora Vida, 1982, pag. 114
[19] GONDIM Ricardo, É Proibido, Editora mundo Cristão, São Paulo, 1999, pag. 36
[20] Bíblia de estudo de Genebra, Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1998, pag.1420 (Nota introdutória)
[21] Bíblia de estudo de Genebra, Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1998, pag.1420 (Nota introdutória)
[22] Bíblia de estudo de Genebra, Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1998, pag.1420 (Nota introdutória)
[23] CHAMPLIM, P.H.D. Enciclopédia da Bíblia Teologia e filosofa, Editora Candeia 1995, pag.944
[24] http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi, 20-04-06
[25] http://www.vivos.com.br/207.htm , 20-04-06
[26] http://www.vivos.com.br/207.htm, 20-04-06
[27] http://www.vivos.com.br/207.htm, 20-04-06

14.5.07

INFALIBILIDADE PAPAL



INFALIBILIDADE PAPAL

Introdução

Infalibilidade significa qualidade de não poder errar ou enganar-se[1], por isso não é de admirar a controvérsia existente relativamente à doutrina criada pela igreja católica romana da infalibilidade papal.
Segundo o teólogo católico (opositor desta doutrina) Hans Kung,[2], Peter Olivi (falecido em 1298), padre franciscano, terá sido o primeiro a propor que os pronunciamentos dos papas fossem considerados infalíveis. Isso porque o papa Nicolau III[3] havia favorecido os franciscano ao declarar que "a renuncia aos bens materiais era um caminho para a salvação". Outros porém, afirmam que foram os jesuítas em 1661[4].
Pese embora estar demonstrado ao longo da história, a antiguidade desta ideologia, este é o dogma mais moderno da Igreja Romana, pois só foi imposto à cristandade como artigo de fé em 1870.[5] Esta proclamação aconteceu, no Concilio Vaticano I, pelo então papa João Maria Mastai Ferretti, Pio IX (1846-1878), através da Bula “Pastor Aeternus”[6]
Este dogma no essencial considera as determinações do Papa infalíveis. Sem esta autoridade a igreja perde sua reivindicação de autoridade apostólica e de guardiã da verdade.
Mas será essa uma doutrina genuinamente cristã? Quais são seus fundamentos e verdadeiras intenções? Será que resiste ao escrutínio das Escrituras e da história eclesiástica? Esse será o foco do trabalho que vamos desenvolver neste escrito sobre a "infalibilidade papal".

I. Motivações históricas

No contexto da época destacava-se o “Glanicalismo” que era uma linha ideológica da Igreja Católica francesa que visava o estabelecimento de uma autonomia da mesma, face às directivas emanadas de Roma, contrariando assim as teses chamadas ultramontanas[7]. Tem a sua causa no absolutismo, de Luís XIV que em 19 de Maio de 1692 promove uma assembleia extraordinária do clero que, inspirada por Bossuet, declara as liberdades da Igreja Galicana. Em 12 de Julho de 1790 a Assembleia Constituinte vota a Constituição Civil do Clero. Durante o regime da Restauração Mathieu de Barrel, arcebispo de Tours, publica, em 1818, uma Défense des Libertés de l'Église Gallicane. Monsenhor Dupanloup e cerca de sessenta bispos não subscrevem no Concílio do Vaticano I o dogma da infalibilidade papal.[8]
Esta ideologia já havia assombrado o pontificado de Inocêncio XI. O contexto da época era propício às aspirações de Pio IX. Ele estava assistindo em seu pontificado a queda do poder temporal que tanto ardentemente defendia. Os domínios papais começaram a perder para a Itália, a Romanha (1859), a região da Úmbria, Marcas (1860) e finalmente Roma (1870). A situação não era nada fácil. O Papa agora estava restrito ao Estado do Vaticano e a igreja romana não era mais a senhora de mão-de-ferro da Europa. Sem falar é claro dos fortes conflitos doutrinários que dividiam os teólogos de escolas opostas e as novas ideias seculares que emergiam - as quais o Papa condenou como "erros modernos".[9]
Já que a igreja, considerada infalível, estava a tremer na sua unidade, a solução era consolidar o resto do poder que ainda existia nas mãos de um agente único - o Papa, o qual rapidamente convocou um Concílio.

II. Concílio Vaticano I

O concílio ficou conhecido como o concílio de “cartas marcadas”, ou seja antes dos debates começarem já estava tudo arranjado para a doutrina da "infalibilidade" ser aceite. Durante o tempo transcorrido (1869-1870) as reuniões foram marcadas por violentas controvérsias até que os conciliares se dividiram em dois grupos: os antiinfalibilistas (que não apoiavam o dogma) e os infalibilistas (que apoiavam o dogma), liderado pela famigerada ordem dos Jesuítas. Mas mesmo entre estes últimos havia sérias divergências quanto aos limites e natureza desta infalibilidade.
Enquanto isso a media controlada pelo Papa e os jesuítas, tentava passar uma imagem de unidade, apontando que em breve a aclamação do dogma se faria por unanimidade.[10]
A pressão dos infalibilistas pesou na votação e o tema foi adiantado. A esta altura a corrente favorável e intransigente propôs que o grupo contrário ao dogma fosse excluído, considerados hereges. Dentre essas alterações devemos destacar aqui o fato de que havia sido limitada a liberdade de expressão a ponto de cassar a palavra daqueles que se alongassem no debate como fizeram com Strossmayer[11].
Finalmente depois de muitas contradições, ameaças, intrigas e pressões do partido infalibilista, foi definido o dogma da seguinte maneira:
"...definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala “ex cathedra”, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis. Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita, - seja excomungado" [Concílio Vaticano I, "Primeira Constituição dogmática sobre a Igreja de Cristo" - sessão IV, cap. IV (18-7-1870)][12]
E para justificar esta nova doutrina, escreveram uma bula (Pastor Aeternus) que contem um resumo das alegadas razões que provam a infalibilidade Papal.

III. Refutação Bíblica ao conteúdo da Bula “Pastor Aeternus”

A Introdução da Bula “Pastor Aeternus”diz o seguinte:
“Preferindo Pedro aos demais apóstolos, institui nele o principio perpétuo da unidade e um visível fundamento sobre o qual seria erguido um templo sólido e eterno”. [13]
Estas palavras partem do pressuposto que o apóstolo Pedro é o fundamento da Igreja. Enquanto que a Palavra de Deus diz: “Ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (I Cor. 3:11). Diz ainda aos Efésios 2:20, “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular.”
Ao lermos todo o evangelho, não encontramos nenhum apóstolo, conferindo a Pedro a prerrogativa de ser fundador da Igreja, nem nunca Pedro a reclamou para si tal título. Vejamos o que diz Actos 4:11: “Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta como pedra angular.”[14]
Além de reivindicarem uma suposta jurisdição de Pedro sobre as demais igrejas, alegam que ele promete a infalibilidade pelo simbolismo das chaves[15]. Contudo, a interpretação de que Pedro é a "Pedra", além de não provar nenhuma supremacia de Pedro, não mostra também que seus supostos sucessores tivessem a primazia sobre os demais. Além do mais, de todos os pais da igreja poucos foram os que interpretaram que Pedro fosse de facto a Pedra. Outrossim, o simbolismo das chaves foi dado não somente a Pedro, mas a todos os apóstolos (Mat. 18.18). Se os apologistas católicos querem ver alguma infalibilidade neste trecho terão que estende-la também aos outros. Além disso, o poder das chaves era exercido apenas na evangelização e não na jurisdição. De qualquer forma o que de facto Pedro e os demais apóstolos exercerem o seu ministério de modo eficaz, não prova que eram infalíveis[16].
Também a prerrogativa estabelecida pela igreja romana de Pedro "apascentar seus irmãos", não era privilégio somente de Pedro (Jo. 21.15-17, Luc. 22.31,32). Outros como Paulo disseram a mesma coisa (At. 14:22 - 15:32,41).Paulo e o próprio Pedro admitiam que isto não era exclusividade suas (Atos 20.28 - I Pedro 5.1,2).
A simples tarefa de apascentar, não traz inerentemente nenhum mérito de infalibilidade, pois Jesus já havia rogado por eles todos (Jo. 17.11,12).

IV. Objecções históricas à infalibilidade Papal

Ficou demonstrado no ponto anterior, que a tentativa de justificar pela Bíblia a doutrina da infalibilidade é um erro crasso que atropela todas as regras hermenêuticas essenciais para entendermos a Palavra de Deus.
De início ressalta-se que a palavra "infalibilidade" está ausente tanto na literatura cristã primitiva assim como na Bíblia. Quando o embrião desta funesta doutrina começou a ser desenvolvido na idade média, não faltaram adversários que a combatessem ferozmente. Muitos papas como Inocêncio III, Clemente IV, Gregório XI, Adriano VI, Paulo IV, rejeitaram a doutrina da infalibilidade papal. As igrejas da França e da Gália sempre se opuseram a ela, reafirmando a independência para com a igreja romana. A elas seguiram-se depois as igrejas inglesas e irlandesas. No Concílio Vaticano I, líderes católicos de grande gabarito da envergadura do teólogo e historiador alemão Ignaz von Döllinger, Schwarzemberg, Maret, Rauscher, Simor, Dupanloup, Hefele, Ketteler, Acton, Strossmayer formavam a frente de oposição quanto ao novo dogma. Principalmente Döllinger e Maret ambos, respeitados estudiosos eclesiásticos sabiam mais do que todos que pela história da igreja o dogma era indefensável. Os livros de Döllinger e o discurso eloquente de Strossmayer no Concílio atestam este fato[17].
O argumento de que algumas igrejas apelavam para Roma em algumas decisões não é prova de que o bispo romano fosse infalível. Outras sés episcopais receberam a mesma honra. Podemos citar a igreja de Alexandria resolvendo questões de disciplinas nas igrejas espanholas, além de sua jurisdição. Era comum, as igrejas primitivas recorrerem umas às outras para estabelecer decisões em questões polémicas. Contudo, muitas vezes as igrejas não admitiram a intromissão de Roma em assuntos de suas jurisdições como no caso das igrejas Africanas. Nota-se ainda que as apelações eram feitas à igreja e não ao papa como infalível.
Nos primeiros dez séculos de Cristianismo nenhum dos pais da igreja ou algum Concílio ecuménico jamais se posicionou a favor da ideia da infalibilidade residir na pessoa do bispo romano. É vão o malabarismo exegético praticado pelos romanistas nesse sentido. Apesar de quererem reescrever a história em causa própria, os factos são gritantes contra esse dogma. Nenhum dos primeiros concílios ecuménicos foram convocados pelos papas e nenhuma sentença importante por parte deles foi emitida como infalível por estes concílios. As principais decisões dogmáticas do cristianismo foram tomadas pelos Concílios e não pelos papas. Na verdade, muitos papas estavam sujeitos aos Concílios.[18]

Conclusão

É de facto escandaloso a forma e a subtileza dos termos e expressões cuidadosamente arranjadas, para proteger e defender a doutrina da infalibilidade papal.
Poderíamos falar extensamente de papas condenados como hereges tais como Honório[19], Libério[20], Hildebrando[21]. Ora, se ensinaram heresias está claro que não eram infalíveis. E porque não falar do erro histórico no ano 1640, quando o papa Urbano VII, fez um mau julgamento a Galileu[22]. Galileu estava doente e com 70 anos o sábio foi trazido de maca diante do papa para retratar-se de seus conhecimentos de astronomia.
Galileu, temendo a inquisição, retratou-se assinando que a terra "não gira em torno do sol". Ao sair de diante do papa perguntaram-lhe se havia assinado a retratação, Galileu disse: "Assinei, mas que gira, gira!" (Diálogos T.X. pág. 281)[23].
É espantoso e vergonhoso que no início do século XV havia 3 homens afirmando ser o papa, (é a chamada controvérsia de Avignon)[24] em que todos se diziam possuidores do cargo.
Sem falar na vida imoral que muitos deles levavam. Seria correctos papas imorais não errarem em questões morais? Seriam estes também infalíveis? Claro que não!Posto isto, a infalibilidade foi um estratagema doloso, que aumentou mais um erro na estrutura dogmática do catolicismo. Ela não só perverte a doutrina cristã como contraria os factos da história. Definitivamente o Papa não é infalível, isso cabe somente a Deus e à sua Infalível Palavra, a Bíblia.

Bibliografia

Dicionário da Língua Portuguesa, versão 1.0, Priberam Informática e Porto Editora
COLLETE, Carlos Hastings, Inovações do Romanismo, São Paulo, Edições cristãs, 2001
OLIVEIRA, Raimundo, Seitas e heresias, Rio de Janeiro, Editora CPAD, 1987
ANDRADE, Samuel; Roma diz que sim, nós dizemos que não; Caneças; Editora Núcleo, 2003
ALMEIDA, J.F.; Bíblia de Estudo Pentecostal, Revista e corrigida; CPAD
BOETTNER, Loraine, Catolicismo Romano, São Paulo, Imprensa Batista Regular, 1985, 1ª edição

Webgrafia

http://www.iscsp.utl.pt/cepp/ideologias/galicanismo.htm
http://montfort.org.br/
http://www.micropic.com.br/
http://www.veritatis.com.br/article/3133
http://www.wikipédia.org/
http://www.cacp.com.br/
[1] Dicionário da Língua Portuguesa, versão 1.0, Priberam Informática e Porto Editora
[2] Küng foi ordenado padre em 1954. Continuou a sua educação em várias cidades europeias, incluíndo Sorbonne em Paris. Juntamente com o seu colega Joseph Ratzinger (hoje Papa Bento XVI), foi apontado como perito pelo Papa João XXIII como consultor teológico para o Concílio Vaticano II.
No final da década de 1960, Küng iniciou uma reflexão rejeitando o dogma da Infalibilidade Papal, publicada no livro Infallible? An Inquiry ("Infalibilidade? Um inquérito") em 18 de janeiro de 1970.
Em consequência disso, em 18 de Dezembro de 1979, foi revogada a sua licença pela Igreja Católica Apostólica Romana de oficialmente ensinar teologia em nome dela, mas permaneceu como sacerdote e professor em Tübingen até a sua aposentadoria em 1996.
Em 26 setembro de 2005, ele e o Papa Bento XVI surpreenderam ao encontrar-se para jantar e discutir teologia.
Küng defende o fim da obrigatoriedade do celibato clerical, maior participação laica e feminina na Igreja Católica, retorno da teologia baseada na mensagem da Bíblia.(Wikipédia)
[3] Nicolau III nascido Giovanni Gaetano Orsini, O.S.B. (1216 - 22 de Agosto de 1280) foi Papa entre 25 de Novembro de 1277 até à data da sua morte, foi o papa que sucedeu ao Papa português João XXI. (wikipédia)
[4] http://www.cacp.com.br/, 30-04-07.
[5] COLLETE, Carlos Hastings, Inovações do Romanismo, São Paulo, 1ª edição, Edições cristãs, 2001
[6] http://www.cacp.com.br/, 30-04-07.
[7] partido que defendia a infalibilidade papal e a supremacia da sé romana. Era a antítese do galicanismo (www.cacp.com.br)
[8] http://www.iscsp.utl.pt/cepp/ideologias/galicanismo.htm 1-05-07
[9] http://www.cacp.com.br/, 30-04-07.
[10] http://www.cacp.com.br/, 30-04-07
[11] Bispo croata Josip Juraj Strossmayer (1815-1905) (http://www.veritatis.com.br/article/3133)
[12] http://montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=, 1-05-07
[13] COLLETE, Carlos Hastings, Inovações do Romanismo, São Paulo, 1ª edição, Edições cristãs, 2001, pag. 170
[14] COLLETE, Carlos Hastings, Inovações do Romanismo, São Paulo, 1ª edição, Edições cristãs, 2001, pag. 170
[15] BOETTNER, Loraine, Catolicismo Romano, São Paulo, Imprensa Batista Regular, 1985, 1ª edição
[16] http://www.cacp.org.br/cat-infalibilidade.htm
[17] http://www.cacp.com.br/, 30-04-07
[18] http://www.cacp.org.br/, 30-04-07
[19] Papa Honório I nasceu em Capua. Eleito em 27 de outubro de 625, tinha sido discípulo de S. Gregório Magno. Durante o seu pontificado impulsou a evangelização de Inglaterra, procurando a integração dos monotelitas na Igreja - heresia sobre a vontade de Cristo, que ele não lutou. Isso fê-lo ser condenado por Leão II (682). (wikipédia)
[20] Libério foi um papa eleito em 17 de maio de 352. Morreu em 24 de setembro de 366. (wikipédia)
Envolvido na controvérsia ariana, foi desterrado por Constâncio II para Berea de Tracia, donde aparentemente aceitou o arianismo (wikipédia)
[21] Pertencia à Ordem Beneditina (OSB). O seu pontificado decorreu entre 22 de Abril de 1073 e 12 de Maio de 1085. Era de origem germânica. A sua eleição é considerada, no mínimo, como irregular. Não era sacerdote quando foi eleito Papa. (wikipédia)
[22] Galileu Galilei (Pisa,15 de fevereiro de 1564Florença, 8 de janeiro de 1642) foi um notável físico, matemático e astrônomo italiano (wikipédia)
[23] http://www.sobreasaguas.com.br/romano.htm
[24] pt.wikipedia.org/wiki/Papado_de_Avinhão